Augusto, Décio e Haroldo.
Esses nomes impressos nos livros de literatura do ensino médio despertaram-me para a poesia concreta. Evidentemente ler os poemas selecionados e explicados pelo autor do livro didático não era a preparação para ler e (mesmo) compreender um poema concreto. Era dado completamente o significado. Tínhamos a interpretação.
Mas ter a frente um poema concreto, por vezes, pode causar a uma sensação de impotência. Não ver o que está a nossa frente. Mas não há, talvez, satisfação maior do que encontrar a pontado fio e desenrolar o novelo.
A poesia concreta está inserida no concretismo das artes em geral. Com o manifesto de Arte Concreta lançado em Paris em 1930, surgem as bases para este movimento que pregava objetividade e universalidade das artes, a valorização de aspectos visuais e sonoros, abandono de estruturas formais (na literatura, na poesia, o abandono dos versos metrificado e organização em estrofes), a exploração de efeitos gráficos e o aproveitamento do espaço. Mas quando surgiu esse movimento as artes visuais incorporaram mais rapidamente aplicando com este programa o “anti-abstrato”.
Nas artes visuais isso da exploração do espaço é algo fácil de imaginar, mas esse movimento vai além, ele se estende para a música, por exemplo, fazendo nascer a música concreta, que pode ser entendida como a criação a partir de sons gravados, manipulados eletronicamente. A extensão do movimento que seguramente atingiu em cheio a literatura.
O movimento concretista com um programa bem definido na poesia aconteceu na década de 50, concomitantemente no Brasil, na Suíça e na Suécia, sendo a poesia concreta brasileira aquela que mais contribuiu para as bases mundiais desse movimento.
O cerne disto tudo está na tríade de poetas, Augusto de Campos (1931- ), Décio Pignatari (1927- 2012) e Haroldo de Campos (1929-2003) – em ordem alfabética pois não há prevalência de nenhum. Os três, juntos, rompem com conservadorismo do Clube de Poetas que integravam em São Paulo no início da década de 50 para fundarem o grupo Noigandres, voltado à divulgação poemas que refletiam ideais do movimento concretista com a criação, em 1952, da Revista Noigandres. Essa revista considero ser o marco zero da poesia concreta brasileira. O desdobramento das ideias e conceitos desenvolvidos na Noigandres levou à 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada no MAM/SP em 1956.
Neste mesmo ano, a Revista ad – arquitetura e decoração, em seu Número 20, em novembro de 1956, publica três manifestos de poesia concreta elaborados pela tríade. Destes manifestos, faço alguns destaques abaixo.
Décio Pignatari em seu “nova poesia: concreta (manifesto)” aponta para a crise do verso que, na visão do poeta, não dava “mais conta do espaço como condição de nova realidade rítmica” ..., “o poema é forma e conteúdo de si mesmo, o poema é.”
Augusto de Campos inicia o seu “poesia concreta (manifesto)” dizendo que “a poesia concreta começa por assumir uma responsabilidade total perante a linguagem” ..., recusa-se a absorver as palavras como meros veículos indiferentes, sem vida...”
Haroldo de Campos em seu “olho por olho a olho nu (manifesto)” explora características de texto concreto:
“POESIA CONCRETA: atualização “verbovocovisual”
do
OBJETO virtual
DADOS: a palavra tem uma dimensão GRÁFICO-ESPACIAL
uma dimensão ACÚSTICO-ORAL
uma dimensão CONTEÚDISTA”
O que vemos destes três excertos é que a poesia concreta surge como alternativa a uma poiesis que não cabe nos versos tradicionais, as palavras têm um papel múltiplo para além de carregar significados. Há o aspecto gráfico, plástico, oral.
Evidentemente isso não “nasce” a fórceps. Isso vem de um processo. Não é manifesto de arte concreta que cria esses caminhos, mas junta direções. A tríade aponta sempre Stéphane Mallarmé e o seu “Um lande de dados” de 1897 que inaugura o que eles chamam de “método prismático”, explora o espaço em branco para construir uma “sintaxe espacial”. Na década de 1920. E.E. Cummings “pulveriza fonética”, quebrando as palavras. Erza Pound traz o “método ideogrâmico”. James Joyce cunha a expressão “verbovocovisual” que aponta para a indissociabilidade da palavra-som-visão. Isso explica, por exemplo, por que os edições mais recentes dos livros dos irmãos campos vem acompanhados de CD’s com experimentos auditivos de declamação e música, com destaque para o trabalho de Cid Campos, filho de augusto.
Pignatari e os irmãos Campos são mundialmente conhecidos, pois, erigiram tanto uma obra poética potente e representativa deste movimento, como também deram suporte teórico, captaram a essência do que se entende por poesia concreta que permitiu que muitos lugares do mundo, através de traduções de seus manifestos, tivessem contato com esse importante movimento. A tríade tem alcance mundial e é, sem dúvidas, um dos maiores pilares da literatura brasileira e da poesia concreta mundial.
Referência básica para este texto
Augusto de Campos, Décio Pignatari, Araldo de Campos. “Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos” , Cotia – SP, Ateliê Editorial, 2006.