Compartilhe essa prosa

As espirais que nos levam à poesia

event_note16/06/2024 08:09h
Termino de ler “Espirais” tropego, anestesiado da ordem do dia, de tanto espiralar por caminhos múltiplos que os versos deste livro tecem, palavra por palavra, obra da grande artesã e poeta Fabiana Corrêa. Entramos e nos perdemos no caminho, enganados pelo tempo. Só quando chegamos na ponta da espiral conseguimos vislumbrar o labirinto e gostamos, muito, do que vemos, mais ainda do que sentimos.

“A metafísica deste livro é a metafísica do tempo”, diria Sartre. Em “Sombra do tempo” (pág. 26) ela assume:

"Teço tempo poente
enquanto escorrem horas nascentes”.

Sabe que o tempo não é absoluto e brinca com a relatividade,

“desdobro as curvas do mundo e
mergulho.”

Explica o “tempo do tempo” (pág. 30) já que “inventaram o tempo à revelia”. Então, lembra-nos das bitolas temporais inventadas pela observação atenta e imaginativa da humanidade, pois

“Há o tempo do relógio de pêndulo
Há o trânsito das fases da Lua
Há maré que balança canoa no cais”.

Os tique-taques viram batidas lentas de canoas amarradas em madeiras enrugadas do cais da vida. O tempo, aqui, é multidimensional. É um tempo “mastigado”, fugidio, “arisco”, que se amarrarmos uma rede para prendê-lo, ele, o tempo, “fluido”, escorrerá “pela trama” (escape, pág. 29). Mas não há ponteiros para idas e vindas no espiralar dos acontecimentos. Há um turbilhão de emoções, “uma ferida coletiva” (pág. 44), “ruína instalada” (pág. 17), “fluxo interrompendo o olhar” (pág. 50), “miragem do tempo” (pág. 54). Mas apesar da vertigem, não há pressa:

“atravesso as paredes do tempo
tecendo marcas na pele
com tropeços no infinito"
(pág.47).

É para um mergulho no universo correano que somos chamados. Já na epígrafe, temos o convite de Manuel de Barros para sermos árvores, e falar da natureza para Fabiana é estar em casa. Quando damos por nós estamos em meio a

“uma floresta morta de pedra
uma dor de nunca mais”
(pág. 44).

A dor do nunca mais é uma receita para darmos valor às pequenas coisas da vida. Não por acaso é em uma aldravia que encontramos, talvez, o traço manuelino mais marcante da obra (pág.37)


desimportâncias
importam
grandes
miudezas
transbordam.


As aldravias, por sinal, muito presentes, são mais um estratagema da poeta para brincar com tempo. Saímos de poemas mais longos como o poema-manifesto da obra, podemos dizer, “mergulho espiral” (pág.10), para cairmos em aldravias que aceleram o tempo de leitura, sem perder a riqueza de sons e de texturas, para, em seguida, espraiar em poemas maiores novamente. É quase pendular. De novo, o tempo. É um movimento contínuo de teimar com a vida. Ela ensina:

“teimo
por que a vida chama”
(pág.57)

e, creiam, “a vida arruma jeito” (pág. 19).

Temos, na poesia de Fabiana Corrêa, cada vez mais labor, mais técnica, mais paciência na construção dos versos. Não, não é isso, ou não é só isso. Temos cada vez mais poesia em seu texto. Poesia que não é parede, como vaticinou Manuel de Barros, que não é para ser compreendida, mas incorporada. E incorporamos tudo aqui, os olhares, as tempestades que podem arrancar o que nos afoga. Estamos mergulhados onde

“tem pé de nuvem que voa
e pé de nuvem que chora”
(pág. 62).

E se no meio do labirinto, por caso, pensamos que acabará, veja, esse é um livro do tempo e o poeta já dizia que “o tempo não para”. O fluxo espiral do tempo-palavra sentencia que a poética de Fabiana é

"como o sol
que aquece
a tempestade
vida acha broto
pra se perpetuar”

(pág. 65),

e continua a brotar poesia dentro de nós quando fechamos o livro e se seguimos, empoetizados, as espirais do nosso próprio tempo.



Volta Redonda, 16 de junho de 2024






Espirais (2024)
Fabiana Corrêa
Poemas
Caravana Grupo Editorial
Veja também

LIVROS PUBLICADOS

Universalidades - jose huguenin
Relatos de um arigó - jose huguenin
Vidas Sertanejas - jose huguenin
Vidas Sertanejas - jose huguenin
koiah - jose huguenin
raio de sol - jose huguenin
o vaqueiro e o jornalista - jose huguenin
livro experimentos poeticos - jose huguenin
livro de manga a jilo provei na terra onde me batizei - jose huguenin
livro a parede e outros contos - jose huguenin
livro estranhezas e mitos da mecanica quantica - jose huguenin
livro vitem - jose huguenin
livro a luz da historia - jose huguenin
José Huguenin © 2024. Todos os direitos reservados.
https://www.josehuguenin.com