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desjeitos, de Flávia Souza Lima

event_note08/12/2024 08:28
A poesia de Flávia Souza Lima nos fisga ao primeiro contato. Essa fisgada não é feita com anzóis cobertos por chamariscos apetitosos aos peixes incautos. Não há espera ou dissimulação ou mesmo rodeios em torno dos poemas. Os poemas nos fisgam como se fossem arpões lançados certeiramente. Brusca e violentamente, somos envolvidos por uma atmosfera poética muito própria. Depois de fisgados, não queremos sair desta armadilha. Uma certa orfandade nos toma de assalto no exato momento que terminamos a leitura de desjeitos (Numa Editora, 2021).

O fazer poético da autora constrói avenidas largas que nos apresentam um Itinerário (pág. 41) de

“palavras rasgadas
emoções perfumadas
canções esburacadas”,


e bem no meio dessas avenidas surgem labirintos onde mesmo algo “... que não fala, / fala alguma coisa.” (Nada não, pág.19). As significâncias de silêncios e ausências materializam-se em um Quarto de hotel (pág. 81) e não se amanhece. É claro que nas avenidas entrecortadas podemos nos perder, tropeçar em paisagens de um litoral deslumbrantemente recortado, ter nossa vista embaçada por uma bruma espessa que sai de

“... verdes ondas
de pensamentos
e brancas espumas…”
(Trilha, pág. 51)


Não é preciso, contudo, temer estar perdido nessa cidade real e poetizada, ou mesmo idealizada, onde se toma café da manhã às três horas da tarde e dilúvios não apagam incêndios criminosos (Cronograma, pág. 91). Lembre-se, estamos a caminhar nestas avenidas arrastados pelos poemas-arpão. Não estamos perdidos mesmo sabendo que “... o GPS do desejo / desatinou” (Um sonho, pág. 95).

A bussola da poeta mostra-nos flashes dos nortes de suas leituras de mundo e de vida. Toma emprestado do “patrão” Bandeira o verbo criado para “beijar Teodora” para, assim,

“... conjugar teadorar
com um nome diferente
- intransitiva e demoradamente”.
(Carpintaria, pág. 101)


Nas cidades onde não nasceu e que não constam em sua certidão de nascimento (Naturalidade, pág. 143) está, talvez, se não o DNA de sua poiésis, o percurso trilhado que desemboca no mar de poesia que nos oferece. Embora diga através de um eu lírico

“Não tenho licença poética,
pratico a atividade
de forma clandestina
e franciscana.
(...)
Mas ofereço (e colho)
o enlevo dos que desejam
juntar as mãos
e apanhar peixes”

(Carlos, pág. 146),

vos asseguro que a pesca de poesia é abundante.

O livro tem um projeto gráfico muito arejado e acolhedor, perfeito para as retinas cansadas de telas e bizarrias que vemos/lemos sem querer nas redes que não descansam e não nos deixam descansar, embora tenham sido elas, telas e redes, uma ponte possível no tempo pandêmico da gestação do livro. Há outras joias nesta obra, como o prefácio do grande poeta e jornalista Christovam de Chevalier. A proximidade entre prefaciada e prefaciador traz elementos privilegiados que nos ajudam a decifrar um pouco a poeta, se é que isso é possível. A apresentação de Calí Boarez resume bem tudo: “Um livro para os fortes”.

Não tenho dúvidas de que desjeitos é uma grande obra. Nela, a poesia não barganha com modismos, é “... fiel / ao fiel / da balança” (Barganha, pág. 40) da arte poética. Com ares de aviso, esclarece:

“o que ofereço,
amor,
vale o quanto pesa”.

(Barganha, pág. 40)

Só me resta dizer que, diante de seu peso poético, desjeitos não tem preço.
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